domingo, fevereiro 28, 2010

jornalismo pós-moderno

Perante a iminência de um tsunami no Havai (na sequência do sismo que abalou o Chile), a TVI24 colocou em directo um surfista português. Numa entrevista que durou mais de cinco minutos, o surfista refere que o dia está lindo, que a rádio diz que o perigo já passou e responde a imensas perguntas sem qualquer interesse informativo com um "acho que sim". Posso estar enganado, mas não deve ser bem um cenário destes que Boaventura de Sousa Santos tem em mente ao falar da emergência de um novo senso comum (especulando, por exemplo, sobre a possibilidade de "entrevistar um pássaro" como técnica de investigação).

sábado, fevereiro 27, 2010

o que há de novo no pordata?

Esta semana foram entoadas rasgadas loas ao Pordata, a Base de Dados do Portugal Contemporâneo, promovida por António Barreto no âmbito da actividade da Fundação a que preside. Num jornal da SIC Notícias, chegou a ouvir-se um sociólogo com muitos caracóis dizer que não havia nada semelhante nem no país nem no mundo, nada tão inovador. Após uma breve consulta, porém, constata-se que a referida base de dados está ainda muito longe do Portal do INE, que tem nos últimos anos feito uma revolução, tão extraordinária como silenciosa, no modo como organiza e torna mais acessível informação diversa aos cidadãos. Ao contrário deste, o Pordata não permite por exemplo desagregações territoriais dos dados, limitando-se - por agora - a basicamente reproduzir, actualizar, corrigir e cruzar as séries de informação anteriormente coligidas no âmbito do projecto Situação Social em Portugal, 1960-1999, igualmente dirigido por António Barreto. Enquanto base de dados requentada, a relevância do Pordata é portanto - neste momento - apenas potencial (o que talvez não justifique a amplitude da campanha promocional de que foi objecto).

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

sete anos e oitenta e cinco dias

Não há nada, rigorosamente nada que, no regime cubano, possa justificar, tolerar ou minimizar a morte de Orlando Zapata Tamayo, após 85 dias em greve de fome. Detido em 2003, na sequência da participação num jejum de protesto, julgado em 2004 e inicialmente condenado a três anos de prisão, veria a sua pena consecutivamente agravada para cerca de 30 anos, por actos de "desobediência, desordem e protestos a favor dos direitos humanos", "cometidos" em situação de detenção. Tamayo iniciou a greve de fome em Dezembro passado (o mês em que Aminetu Haidar regressaria a casa, depois de a intensa pressão internacional fazer ceder Marrocos e colocar um termo a 32 dias de greve de fome).

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

songs for all seasons

Sad song (Lou Reed, Berlin Live, 2006)

terça-feira, fevereiro 23, 2010

what's the point?

A menos que a expectativa fosse a de derrotar Cavaco logo na primeira volta, não se percebe a razão de ser de tanto frisson com o surgimento da candidatura de Fernando Nobre. É como se a eleição presidencial decorresse nos termos em que se processa a eleição do secretário-geral do PSD, partido que elege o candidato com o maior número de votos (e que dispensa, portanto, uma segunda volta). Não sendo assim, o debate da corrida eleitoral à presidência da república pode até tornar-se mais interessante, alegre (e nobre, já agora).

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

o passado é um país distante

Sendo de facto bastante desprezíveis as motivações da arregimentação "pela família", que no sábado passado desceu a Avenida da Liberdade (de braço dado com a rapaziada do PNR), posso estar a deixar-me contagiar por um optimismo que eventualmente não faz sentido. Mas a verdade é que, ao ver as imagens da coisa, senti que estava perante uma das derradeiras manifestações de um país que felizmente, a pouco e pouco, se vai desvanecendo. O canto do cisne de um Portugal bafiento, paroquial e hipócrita.

domingo, fevereiro 21, 2010

venham mais cinco

"Quando me cruzo com um brasileiro, ucraniano, moldavo ou cabo-verdiano, fico sempre contente. Os brasileiros puxam-me para cima; os cabo-verdianos puxam-me para o lado e os melancólicos romenos puxam-me para mim ou, quando, são mesmo pessimistas, fazem-me sentir brasileiro. Temos sido inteligentes nos imigrantes que atraímos - até porque é estranho haver estrangeiros que querem viver num dos países mais pobres, mal pagos e melancólicos da Europa. Não obstante ser dos mais bonitos e menos maldosos."

(Miguel Esteves Cardoso, no Público de 19 de Fevereiro)

sábado, fevereiro 20, 2010

a sunny day

Clay Bennett (Times Free Press Cartoons)

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

a laicização da economia

"As questões mais essenciais da economia invadiram a praça pública, deixaram de estar tão confinadas a redutos académicos, foram postas e puseram-se em questão. Assistiu-se a revisões radicais do que se supunha normalizado e até natural. A economia laicizou-se, publicizou-se. A dimensão prescritiva, calculista, finalista que faz a sua popularidade e suscita algum fascínio entre o público não especializado - que vê a economia como critério e argumento final para justificar decisões e definir comportamentos - perdeu significado perante as imensas falhas que originou. Não me parece exagerado dizer que entre os temas que a crise pôs em primeiro plano estão certamente as relações da economia com os valores, a confiança, a subordinação do económico a padrões morais, a não redução da vida ao mercado."

Do artigo de José Reis, curiosamente publicado num tempo que assinala os quatrocentos anos da morte de Giordano Bruno às mãos da Inquisição. Com todas as óbvias e imensas diferenças (de contexto, de discussão, de magnitude), no debate que a Economia actualmente atravessa são também questões de dogma, de legitimidade, de autoridade, poder e fechamento que estão em jogo. Não conhecemos ainda o desfecho deste processo de "dessacralização", mas vamos tendo uma noção cada vez mais clara do muito que há para fazer.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

giordano bruno

"Giordano Bruno morreu na fogueira da Inquisição há exatamente 410 anos, cumpridos hoje. Ele acreditava que o mundo era infinito e plural e que os sinais invisíveis da criação não podiam ser explicados com os dogmas católicos da época. Preso em 1592, só em 1600 o antigo dominicano foi finalmente sentenciado e as suas cinzas perdidas no Campo de’ Fiori, em Roma. Aproximadamente no mesmo lugar onde hoje está a estátua erguida em sua honra, enfrentando as cúpulas e os muros do Vaticano, e rodeada de símbolos herméticos. Nem todas as cinzas dos seus livros se perderam nesses derradeiros oito anos de cativeiro e de tortura. O que sobreviveu é o bastante para o desenhar como um sábio, um heterodoxo e um perguntador. Crimes suficientemente graves para a memória da Inquisição."

(Francisco José Viegas, A Origem das Espécies)

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

uma história da música (XIII)

The Concerts in China (Jean Michel Jarre, 1982)

terça-feira, fevereiro 16, 2010

do sindicalismo

"Em Portugal não vemos esta actividade, essencialmente porque os sindicatos se desviaram dos seus primórdios fundadores (o mutualismo) e se transformaram na maioria dos casos em apêndices dos partidos políticos, calendarizando as suas lutas e ou submissões, conforme os interesses destes. O mundo mudou, as indústrias mudaram, e os Sindicatos têm que mudar. Foi assim em boa parte do mundo, mas em Portugal, no sindicalismo, como nas associações patronais, ficámos agarrados ao passado. O Patronato manteve-se o mais retrógrado de toda a Europa, os Sindicatos os mais marcados ideologicamente pelo sistema sindical que implodiu com o dito socialismo real do Leste. Os Sindicatos desculpam-se e dizem que se adaptar é ceder, então mais vale continuar retrógrado. Mas o problema não é esse, o problema é encarar de frente os novos sistemas de trabalho, a flexibilidade, as novas polivalências, as novas profissões, os novos horários de trabalho respeitando as cargas de trabalho, no principio de que deve ser o trabalho a adaptar-se ao homem e não o contrário."

(Do artigo de António Chora, via Jugular)

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

sol escondido

Se o que movesse verdadeiramente o Semanário Sol fosse "o valor superior da liberdade de informação" (a ponto de o jornal desobedecer deliberadamente a uma providência cautelar), talvez os tais "factos cujo interesse público é já indiscutível" não saíssem aos soluços (cada qual com um intervalo de oito dias).

domingo, fevereiro 14, 2010

mandela

"Vinte anos depois da saída da prisão de Robben Island, Nelson Mandela convidou o seu antigo carcereiro para celebrarem em conjunto a liberdade. Um acto sublime, "em linha" (como se diz por aí) com o momento transcendente do século XX que Mandela protagonizou. O antigo detido por terrorismo fez a reconciliação e não desiste de a fazer. Essa é a sua grande lição: só a libertação que liberta os opressores é verdadeira libertação."
(José Manuel Pureza, Palombella Rossa)

sábado, fevereiro 13, 2010

intenções preexistentes

"Falar da providência cautelar em relação ao Sol como "um precedente" é algo de incompreensível a não ser num clima de completa histeria política, em que todas as acções e omissões que se possam relacionar, com motivo ou sem, com a apreciação da actuação do governo e do primeiro-ministro são qualificadas com base em processos de intenções preexistentes. É como se nada pudesse ser avaliado pelo seu valor facial e intrínseco e tudo fizesse sempre parte de uma teoria geral da suspeita, de um a favor e contra do qual ninguém e nada escapa, a começar pela ideia basilar do Estado de direito, a da independência dos tribunais face ao poder político - e vice-versa".

(Do artigo de Fernanda Câncio no DN de ontem, que vale a pena ler na íntegra)

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

a parada das religiões

Talvez César das Neves, no sonho profético do Natal passado, estivesse apenas a ter uma visão antecipada disto.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

liberdade e privacidade

"As liberdades individuais nunca são retiradas de uma vez só. São confiscadas lentamente, uma a uma, em pequenos passos, sem que na verdade valorizemos muito cada um deles. O problema é que, quando damos por nós, normalmente já é tarde para defender a autonomia individual e o direito à privacidade. Há contudo semanas em que estes pequenos passos se sucedem a um ritmo que parece imparável. Esta foi uma dessas semanas. Num par de dias, recuámos ao tempo em que a delação de conversas escutadas em restaurantes era aceite, mas também avançámos para um futuro distópico em que os rendimentos de cada um ficariam expostos à consulta invariavelmente mesquinha de todos, à distancia de um click."

(Pedro Adão e Silva, Léxico Familiar, Fevereiro 2010)

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

ainda a madeira

A escassez de benefícios (que apesar de tudo existem) para os habitantes da Madeira, decorrentes do facto de o arquipélago possuir um offshore, é um dos argumentos que tem sido invocado para justificar as alterações à Lei das Finanças Regionais. Deste ponto de vista, o PIB da região estaria sobrestimado em cerca de 20% (a parcela que corresponde ao offshore), devendo por isso as transferências do OE ser calculadas sem aquele valor.
Para além de ser muito questionável a ideia de que o offshore não deve integrar o apuramento do PIB da Madeira para efeitos orçamentais (o suposto prejuízo que ele tem causado à região é aliás mais um argumento a favor da sua extinção), há outra questão a considerar. Trata-se de saber - a partir da comparação dos níveis de desenvolvimento das diferentes regiões do país - qual deve ser hoje o peso das transferências orçamentais para a Madeira, em nome de elementares princípios de justiça e coesão territorial.
Ora, ao apurar os valores do PIB per capita, verificamos que a Madeira é a região que melhor evolução tem registado desde 1996 (demonstrando assim "as virtudes macroeconómicas das transferências regionais"), ao ponto de - em 2008 - ser a segunda região do país com os mais altos níveis de rendimento (gráfico da esquerda). E mesmo quando descontamos o impacto do offshore (20%), a Madeira continua bem posicionada (gráfico da direita), sendo o seu nível de rendimentos apenas superado pelas regiões de Lisboa e do Algarve. Razão pela qual a análise dos desiquíbrios de desenvolvimento entre todas as regiões do país deveria ser assumida como ponto de partida de qualquer processo de revisão da Lei das Finanças Regionais.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

da boa governação (II)

"O euro vai acabar? Não sabemos: estamos perante uma incerteza radical, conceito que teima em não entrar na cabeça da maioria dos economistas, convencidos de que podem atribuir probabilidades a tudo. Qual é o problema do euro, tal como foi instituído? Ser parte de uma utopia monetarista geradora de desemprego e desigualdades. O euro é uma moeda única sem um orçamento central com peso, sem fiscalidade unificada e sem dívida pública europeia. Isto quando se sabe que, num contexto de integração monetária, o peso do orçamento da UE no PIB deveria ser, pelo menos, o dobro dos actuais 1%. Esta trajectória liberal é inédita e leva ao desastre que começa nas periferias: Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha. O acrónimo lê-se “pigs” (porcos…), em inglês. Há preconceitos que não desaparecem. Os mercados financeiros ainda liberalizados guiam-se por eles e aprofundam-nos."

(João Rodrigues, Arrastão, Fevereiro 2010)

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

filmes do mês: janeiro

Cinco películas visionadas, mas apenas duas elegíveis (uma particularmente elegível) para figurar entre as melhores do ano. Ágora, de Alejandro Amenábar e Up-in-the-air, de Jason Reitman. A primeira fica a fazer parte daquele conjunto de filmes de que sempre nos lembraremos, pela forma como trata matérias que estão na medula da história do mundo e dos homens (um filme a que o trailer não faz justiça e que, para ser perfeito, deveria ter encomendado a banda sonora a Lisa Gerard). De Up-in-the-air não se espera muito à partida, mas acabamos por encontrar nele um retrato bem conseguido dos tempos que correm e as excelentes interpretações de George Clooney e Anna Kendrick (para além dos amplos e detalhados planos aéreos sobre a matriz ortogonal que dá identidade às cidades norte-americanas).

domingo, fevereiro 07, 2010

ouvido no café

"Faz favor, quero uma mousse com chocolate"

sábado, fevereiro 06, 2010

como se na UE portugal pagasse o desenvolvimento sueco

"O monstro precisa de mais recursos, mas os do continente, porque Jardim não está para poupar nem para aumentar o IVA regional para os valores pagos em Viana ou na Sertã. Num país justo, seria uma injustiça que a parte pobre financiasse a parte rica. Era como se na União Europeia Portugal pagasse o desenvolvimento sueco (...). O que está em causa não é a aversão a Jardim. No actual estado do país, mudar a lei é abdicar de princípios básicos de rigor fiscal e de equidade territorial. Mais importante do que as finanças da Madeira é a agonia do interior. Mas aí não há um Jardim para causar alvoroço."

(Comentário de Manuel Carvalho no Público, que vale a pena ler na íntegra)

Que o PSD seja eterno refém do peso eleitoral da Madeira, não é novidade. Que o PCP e o CDS se empenhem numa demonstração de força da oposição, também não espanta. Mas já surpreende, e muito, que o Bloco de Esquerda alinhe na jogada. Por mais que tente justificar esta opção invocando o pretexto utilizado pelo PS para criar uma crise política (problema deles), ou a contradição entre o voto do PS Madeira e do PS nacional (problema igualmente deles), ou a distorção causada pelo offshore da Madeira (problema do Bloco, que assim o legitima, em vez de reforçar a exigência da sua extinção). Por mais que o partido invoque, enfim, o reduzido impacto das alterações (0,03%) no Orçamento de Estado.
O valor que está em questão é essencialmente simbólico e político, e não assenta portanto no grau de (in)significância dos tostões a somar ao orçamento regional. Porque estão em causa claros princípios de justiça e coesão/equidade territorial, na primeira linha de defesa dos quais se esperava encontrar o BE.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

da boa governação (I)

"Há certamente uma política de comunicação da Comissão Europeia, e uma hierarquia interna entre o presidente e os comissários. As declarações de Almunia foram levianas e pouco inteligentes tendo em conta os próprios interesses da Comissão em evitar um efeito dominó do caso Grécia. Os esclarecimentos posteriores não evitaram danos sérios para as economias de Portugal e de Espanha, além de criar um clima especulativo como se não conhecia desde a criação da zona euro. Será que os euro deputados vão chamar o comissário Almunia a explicar-se no Parlamento Europeu?"

(José Medeiros Ferreira, Córtex Fontal, Fevereiro 2010)

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

jake

Há qualquer coisa de Cristiano Ronaldo no avatar de Jake Sully

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

da sensatez

"Tolera-se a um primeiro-ministro que seja humano e se ofenda com o que a imprensa diz sobre ele. Pedir a Sócrates que ignore a opinião dos outros seria talvez de mais. Não é fácil resistir; compreende-se. Porém, exige-se de um primeiro-ministro que mostre a distância, a superioridade e a largueza de espírito que convém aos homens de Estado, que não se deixam abalar por causa de uma página de jornal nem se deixam governar a si próprios pela ideia de uma popularidade flutuante e arriscada. Sucede, pois, que “o caso Mário Crespo” é uma desnecessária amostra de fragilidade. A “vida pública” depende, em primeiro lugar, da qualidade das atitudes das “figuras públicas”; procurar “uma solução” para jornalistas desafectos não será uma forma de melhorar a qualidade da democracia."

(Francisco José Viegas, A Origem das Espécies, Fevereiro de 2009)

terça-feira, fevereiro 02, 2010

do equilíbrio

Aceitar deslumbradamente as teorias das cidades criativas significa dar por adquiridos muitos dos seus pressupostos, que carecem de verificação quanto à sua plausabilidade e relevância. Mas rejeitar depreciativamente as teorias das cidades criativas significa também colocar liminarmente de parte muitos dos factores em que hoje se pode jogar o papel social, económico e cultural das cidades.