quarta-feira, abril 29, 2009

gps

Ao seguir de modo estrito as informações precisas do gps, alternando o olhar entre a estrada e o aparelho, reduzia os lugares a pontos e as estradas a linhas, muito para além do que um mapa o faz. A paisagem que ficava do lado de fora do vidro ia-se perdendo, subconscientemente ignorada. Em termos práticos, era como se as árvores, as casas, o céu azul pontuado por nuvens, as colinas rochosas, os povoados e os prados verdes desse início de primavera não existissem. Não estava pois verdadeiramente "em viagem", mas sim numa espécie de túnel galáctico entre planetas, atravessando a escuridão do espaço que se interpõe entre eles. Com toda a precisão que um gps tem. Com todo o desconhecimento que essa precisão produz.

terça-feira, abril 28, 2009

songs for the season

sábado, abril 25, 2009

rostos que a liberdade tem

Conta-se que numa das idas de Salgueiro Maia a Castelo de Vide, a sua terra natal, já numa fase avançada da doença que a pouco e pouco o tolhia, um amigo lhe terá perguntado como estava, ao que ele respondeu, com um sorriso traquina, "tirando o cancro, estou bem."
Lembro-me deste relato sempre que recordo a imensa coragem com que o João Mesquita travou igual combate. Também ele não deixou, até ao limite das suas forças, que a doença tomasse conta dos seus dias, da sua vida e até da sua infinita boa disposição e sentido de humor.
Mas não é apenas por esta forma sábia, lúcida, difícil e corajosa, com que mostrou ser possível enfrentar a invencível doença, que o João Mesquita e o capitão de Abril se cruzam, com enorme facilidade e frequência, no meu pensamento.
Aliás, o modo desprendido como assumidamente colocaram o seu estado de saúde em segundo plano foi apenas mais um sinal da infindável generosidade e altruísmo que lhes corria nas veias. Os amigos, a vida (com os bons momentos que a devem preencher), o mundo (na sua diária e incessante mudança) e a utopia de o mudar (mesmo que feita de uma justificada descrença, serena e divertida, sobre a real capacidade que o mundo tem para mudar), continuaram sempre a ser mais importantes, para eles, do que eles próprios.
Como é natural, não conheci Salgueiro Maia. Apenas li e ouvi falar dele. Mas tive a imensa sorte, apesar de tardia, de conhecer o João Mesquita. Com o João a amizade era fácil, verdadeira e agradável. Um cumprimento sempre caloroso, feito de interesse e preocupação constantes (mesmo quando os encontros eram tantas vezes adiados ou fortuitos). O João sabia sempre o que era feito de nós e queria sempre saber o que era feito de nós. E conversar. Um sorriso pronto, gestos inconfundíveis, uma voz e um riso que não se apagam da memória, por mais tempo que passe. Conheci-o tarde, mas a tempo de constatar a sua integridade inabalável, nascida de um profundo sentido de liberdade, que respirava com ele. E o modo como se impunham, em todas as circunstâncias (e a qualquer preço pessoal que tivesse que pagar), claros princípios de justiça, ética, coerência e solidariedade.
Por isso lembro hoje o João Mesquita, com palavras e saudades. No momento em que, há trinta e cinco anos atrás, a rádio começava a transmitir o "Grândola Vila Morena".

quinta-feira, abril 23, 2009

cársico

Fátima, Portugal, 1917, Serra de Aire e Candeeiros. Uma senhora vestida de branco aparece a três crianças, que pastoreavam os seus rebanhos na Cova da Iria. Medjugorje, ex-Jugoslávia, 1981. Uma senhora vestida de branco, com um bébé nos braços, aparece a seis crianças num monte de Crnica. Não são somente estas manifestações do sobrenatural que unem Fátima e Medjugorje. Ambos os lugares se situam em áreas de relevo cársico, um dos mais invulgares e originais entre os diferentes tipos de relevo que existem no mundo. Dolinas, grutas, algares, campos de lapiás e poldges são algumas das muitas formas que o caracterizam. Ainda um dia se descubrirá o elo de ligação entre a geomorfologia e as manifestações do divino, arrumando de vez com a tese dos cogumelos.

quarta-feira, abril 22, 2009

a mesma coisa

"O problema da palavra "tortura" é que, após milénios, uma grande parte da humanidade convenceu-se de que é uma coisa imoral que deve ser tratada de uma forma simples. Simples, quer dizer: há pessoas ou organizações que torturam (simulam asfixia, atiram pessoas contra paredes, fecham-nas em caixas) e há outras que não o fazem, ponto final. Mas "procedimentos alternativos" e "técnicas ásperas" é diferente: durante os últimos oito anos foi possível fazê-lo em nome do Ocidente, sob a presidência de Bush, chamando-lhe outra coisa, mas não passando da mesma coisa."

(Do artigo de Rui Tavares, no Público de hoje)

sexta-feira, abril 17, 2009

passagens

Sinal de trânsito (que não consta da maior parte dos códigos da estrada do mundo) na fronteira entre o México e os Estados Unidos, avisando da travessia de imigrantes ilegais (foto de Hector Mata/AFP, no Público de ontem).

quarta-feira, abril 15, 2009

lembrem-se disto

"Nos anos 90, apareceu uma nova proposta de contrato (...). O ensino superior não deveria ser gratuito. Os estudantes deveriam pagar propinas elevadas para aumentar a qualidade do ensino (...). Foi com muita perplexidade que vimos gente de centro-esquerda - de António Barreto a Prado Coelho, de Vital Moreira a Miguel Sousa Tavares - defender estas ideias (...). Havia razões para suspeitar de algo que não nos diziam: no fundo, os estudantes iriam financiar os salários dos professores e as despesas de funcionamento correntes - nem aumento da qualidade, nem bolsas dos alunos mais pobres (...). Que o novo contrato ia falhar ficou claro quando os estudantes começaram a ser empurrados para os empréstimos bancários. Foi o próprio Estado, via Caixa Geral de Depósitos, o pioneiro na introdução das gerações mais jovens ao endividamento (lembrem-se disto quando vos disserem que o povo foi imprevidente no recurso ao crédito)."

(Do artigo de Rui Tavares, no Público de hoje).

quinta-feira, abril 02, 2009

filmes do mês: março

Usando linguagem do futebol, Março teve uma eficácia de 66%. Três películas visionadas, duas a constar entre as melhores do ano. Grand Torino, de Clint Eastwood, e Rachel Getting Married, de Jonathan Demme. O primeiro prende desde o início, pelo conflito e tensão latentes. O segundo transporta-nos para o seu interior: vê-se deambulando entre as personagens.

quarta-feira, abril 01, 2009

o protesto dos outros