terça-feira, março 31, 2009

escola pública: mudanças necessárias (III)

10. Uma política educativa consciente da importância da qualidade é uma política sensível às realidades, aos contextos e aos territórios. Impõe-se por isso, por um lado, a criação de mecanismos de caracterização do meio social em que cada escola se enquadra, de modo a tornar possível compreender resultados e agir sobre dificuldades. A elegibilidade de projectos de desenvolvimento educativo, semelhantes aos TEIP, deve ser claramente alargada, providenciando os recursos considerados necessários a cada situação. É neste quadro, de resto, que devem ser equacionadas as propostas relativas à constituição e reforço de equipas multidisciplinares e o ensino multilingue.
11. Os processos de avaliação de escolas e docentes devem ser compreensivos, capazes de captar as múltiplas dimensões e portanto irredutíveis a lógicas de segmentação e quantificação como as que o ministério impôs (de parâmetro em parâmetro, de número em número, até ao erro final). A avaliação de desempenho docente deve saber combinar dimensões internas e externas, ter como quadro de referência o contexto da escola e como princípio o diálogo profícuo entre avaliadores e avaliados.
12. A abertura da escola à comunidade não se decreta, nem se obtém com a incapacitação dos seus órgãos de gestão ou através da restrição da sua autonomia na definição das suas trajectórias de desenvolvimento (tal como seria absurdo propor representantes autárquicos ou de paróquias na direcção de um hospital ou um tribunal). Os parceiros locais devem participar num órgão consultivo da escola e não nos seus órgãos directivos e executivos. A colegialidade é um exercício e uma vivência pedagógica da democracia, de que a escola não pode nem deve prescindir.

segunda-feira, março 30, 2009

ventos animais

Primeiro de Abril, Cinema São Jorge, Lisboa

sábado, março 28, 2009

escola pública: mudanças necessárias (II)

6. A qualificação das condições de ensino e aprendizagem deve ocupar o lugar central da política educativa. O que aponta para duas questões fundamentais: a realização de uma profunda reforma curricular e uma reorganização do sistema educativo que permita criar efectivas condições de acompanhamento individualizado dos alunos. Tanto uma como outra pressupõem uma autonomia da escola balizada por parâmetros e princípios que assegurem a sua natureza de escola pública, inclusiva e democratizante.
7. A reforma curricular, uma das matérias centrais que a actual equipa ministerial simplesmente ignorou, deve desenvolver-se de modo participado, envolvendo docentes, associações científicas e de professores, instituições de ensino superior e os departamentos vocacionados do Ministério da Educação. Trata-se de repensar o que se ensina e como se ensina, de distinguir o essencial do acessório e de remover do quotidiano dos alunos muitos dos inúmeros retalhos superficiais que fazem a manta em que o ensino se tornou.
8. A reorganização da escola e das actividades lectivas pressupõe uma necessária diminuição do número de alunos por turma e o estabelecimento de regras claras na sua constituição, capazes de fomentar uma verdadeira igualdade de oportunidades. Não é aceitável que a escola pública diferencie turmas em função das origens sociais dos alunos ou dos seus resultados. As "boas turmas" são também as que têm os melhores professores e os melhores horários. A reprodução da desigualdade social pela escola tem aqui uma das suas raízes mais fundas.
9. A qualificação das condições de ensino e aprendizagem passa ainda por um olhar muito atento ao quotidiano dos docentes. Não é possível acompanhar adequadamente os alunos e cada aluno quando a cada professor está atribuído um número excessivo de turmas, disciplinas e estudantes. Quando o seu dia-a-dia se consome em reuniões e em tarefas burocráticas e administrativas. A actual equipa do Ministério da Educação não só ignorou olimpicamente esta realidade, como a agravou de uma forma inenarrável.

sexta-feira, março 27, 2009

uma história da música (VII)

Berlin - A concert for the people (Barclay James Harvest, 1982)

quinta-feira, março 26, 2009

escola pública: mudanças necessárias (I)

(Contributo para a discussão programática online promovida pelo Bloco de Esquerda)

1. Perante uma desestabilização sem precedentes no quotidiano das escolas, com gravíssimas consequências para alunos, pais e professores, dir-se-ia que uma assinalável transformação terá sido operada na educação ao longo dos últimos anos. A equipa de Maria de Lurdes Rodrigues passou, porém, ao lado de questões verdadeiramente essenciais, erigindo o seu mandato a partir de preconceitos e pressupostos inquestionados, reveladores de uma visão desadequada, tecnocrática e superficial do sistema educativo.
2. Faça-se a justiça de reconhecer que medidas importantes foram implementadas, como o aumento da estabilidade do corpo docente nas escolas, a escola a tempo inteiro ou as melhorias na acção social escolar. Mas mesmo em iniciativas meritórias, a tutela revelou-se em regra trapalhona na sua concretização e insensível à realidade, provocando efeitos contrários à intencionalidade dessas iniciativas. A convicção de que as mudanças no sistema educativo só se fazem contra os seus agentes foi um dos maiores erros deste governo e deste ministério.
3. O governo falhou no essencial: melhorar as condições de ensino e aprendizagem, tomando como referência a organização da escola e as suas dinâmicas quotidianas. Uma tecnocracia fundada em lógicas cegas de engenharia social sobrepôs-se, e desvalorizou, a noção de escola enquanto unidade orgânica. A uma abordagem compreensiva dos processos preferiu-se um positivismo mecanicista e redutor, na crença de que os mais ínfimos pormenores do sistema se dirigem, segmentados e parametrizados, a partir da 5 de Outubro.
4. Algumas das principais medidas adoptadas (avaliação de desempenho e novo modelo de gestão), tiveram como pilares a desconfiança e a desconsideração pelos docentes. E este ponto de partida ditaria o ponto de chegada. Tornou-se indiferente que o processo de avaliação fosse manifestamente desprovido de credibilidade, desde que tornasse possível condicionar a actividade docente. Passou a ser irrelevante a perda de autonomia da escola na sua capacidade de planeamento estratégico, se tal permitisse abrir portas à instauração de cadeias de comando eficazes.
5. Ao fim de quatro anos, a política educativa do partido socialista deixa uma marca muito forte: o desprezo absoluto pela qualidade dos processos e a entronização dos resultados, seja a que preço for. Exactamente a mesma filosofia que guiou os gestores bancários que nos colocaram perante a actual crise financeira, ao não olharem a meios para atingir metas e objectivos, sacrificando a verdade e a natureza das coisas.
É urgente portanto voltar às questões essenciais da educação.

terça-feira, março 24, 2009

uma história do mundo

"Discutindo a divina comédia com Dante", de Dudu, Li Tiezi e Zhang an

segunda-feira, março 23, 2009

toda a diferença

Com a benção da DREN, crianças e jovens de etnia cigana foram colocadas num contentor, separado do edifício principal de uma escola primária normal. No contentor, misturaram-se crianças com 9 anos e jovens com 18, a frequentar pelo menos dois ciclos de escolaridade distintos (1º e 2º).
À constituição deste aquartelamento racial, a Directora da DREN, Margarida Moreira (uma nódoa que por várias razões deixará mancha na história do PS), chamou "discriminação positiva", não invocando um único argumento capaz de fundamentar, de modo aceitável, a "positividade" da medida.
Escola e contentor ficam na freguesia de Barqueiros, concelho de Barcelos, Distrito de Braga. O mesmo distrito onde em 1996, em Oleiros, se formaram "milícias populares", armadas com paus e encobertas com gorros, que cortavam estradas e inspeccionavam viaturas tendo em vista "controlar" os movimentos da comunidade cigana local.
Mais a sul, em Lisboa, na freguesia da Ameixoeira, foi constituída neste ano lectivo uma turma exclusivamente formada por alunas ciganas do 1º ciclo, tendo em vista romper com um obstáculo cultural terrível: ao chegarem à puberdade, as meninas ciganas são proibídas pelos pais de ir à escola (nenhuma delas prosseguiria, no máximo, para além da 4ª classe). O projecto envolve a escola e outros actores locais, tendo sido concebido mediante um estreito diálogo com os pais das crianças, que comparecem às reuniões promovidas regularmente pela escola, podendo desse modo acompanhar o progresso escolar das filhas. Trata-se de uma solução transitória, prevendo-se que nos próximos anos a turma já incorpore meninos de etnia cigana, sendo posteriormente constituídas "turmas normais". Uma discriminação necessária para estabelecer rupturas com a "tradição".
Entre o aquartelamento racial de Barqueiros e a turma de meninas ciganas da Ameixoeira existe muito mais do que as centenas de quilómetros que separam os dois lugares. Existe toda a diferença.

quarta-feira, março 18, 2009

indagações humanas

Alguém chegou aqui através de uma frase enigmática, escrita no motor de busca do google: "o'que acontece quando cometemos um pecado no marrocos". Não sobra um qualquer sinal sobre o pecado em causa nem é possível perceber a nacionalidade de quem se questiona pelas penas dos pecados "no marrocos".

quarta-feira, março 11, 2009

songs for the season

"The smiles returning to the faces it seems like years since it's been here I feel that ice is slowly melting it seems like years since it's been clear here comes the sun, here comes the sun and I say it's all right, it's all right"

The Beatles, Here comes the sun (Abbey Road, 1969)

domingo, março 08, 2009

a avaliação (II)

""Se mulheres e homens simplesmente fossem, não haveria por que falar em educação." O militante sábio que foi Paulo Freire amarrou educação a transformação social. Porque só sendo social ela pode alguma vez ser pessoal. Quando os/as professores/as forem avaliados/as pelas mudanças sociais que conseguirem induzir, estaremos no bom caminho."

(Palombella Rossa, 4 de Março de 2009)

sábado, março 07, 2009

cova da iria millionaire

"O filme "O 13º Dia - Um Milagre em Fátima", de Ian e Dominic Higgins, que se encontra em pós-produção, mostra como o fenómeno que se tornou "Quem Quer Ser Milionário?", de Danny Boyle, se alastrou ao cinema britânico. No filme, os pastorinhos são retratados como três jovens indianos que, numa bela manhã de 1916, encontram o José Carlos Malato em cima de uma azinheira, fazendo-lhes este três perguntas de cultura geral. Jacinta e Francisco não conseguem responder e são eliminados, enquanto Lúcia acerta nas respostas, torna-se milionária e, com o dinheiro, faz uma operação estética de dermo abrasão que a transforma em caucasiana. "O 13º Dia - Um Milagre em Fátima" ("Cova da Iria Millionaire", no original) já é considerado o grande candidato à vitória nos Óscares e nos BAFTA de 2009 e no mundial de 2010 na África do Sul."

(Inimigo Público, 5 de Março de 2009)

sexta-feira, março 06, 2009

o belo e o amargoso

Estacionou a banca na esquina da rua, uma espécie de carrinho-de-mão de madeira, que continha as frutas para vender. Os morangos ocupavam mais de metade do espaço, amontoados numa pirâmide onde sobressaía o vermelho. "Um euro o quilo", dizia em voz alta a mulher de avental numa cadência certa, apenas suspensa pelo atendimento de um ou outro freguês. "São doces?...", perguntou uma jovem, com os olhos em dúvida pousados no encarnado da fruta. "São doces", respondeu de uma forma aparentemente desinteressada a mulher de avental, enquanto com uma pá tentava combinar rapidez e cuidado na recolha dos morangos. E acrescentou: "São feios mas são doces...". Para depois ditar a sentença definitiva: "São como as mulheres... feias mas doces... Porque quando são bonitas são amargosas".

quinta-feira, março 05, 2009

uma história simples

quarta-feira, março 04, 2009

cgd

É raro um artigo de jornal conseguir explicar, com esta clareza, acontecimentos relativamente complexos, pelo menos para o cidadão comum. E mais raramente ainda recorrendo a menos de dois mil caracteres: "Há mais Caixa do que pensamos", de Paulo Ferreira, no Público de 27 de Fevereiro.

terça-feira, março 03, 2009

filmes do mês: fevereiro

Entre seis películas visionadas (metade das quais nomeadas para os óscares), Fevereiro candidata Milk, de Gus Van Sant, e O Leitor, de Stephen Daldry. No caso de Gus Van Sant registe-se uma mudança relativamente a filmes anteriores (como Paranoid Park, de 2007, ou Elephant, de 2003). O retrato perturbador das novas gerações, sem horizonte de vida e de algum modo perdidos no seu próprio quotidiano dá lugar, com Milk, a um cinema comprometido com causas e com a transformação do mundo.

domingo, março 01, 2009

sic transit gloria mundi

Na semada passada, o Tribunal da Boa Hora condenou Domingos Névoa ao pagamento de uma multa de cinco mil euros, ao dar como provada a tentativa de corrupção efectuada junto de José Sá Fernandes, para que este desistisse de contestar judicialmente o negócio de permuta dos terrenos do Parque Mayer, pertencentes à Bragaparques.
Na tentativa de corrupção estaria envolvida a soma de duzentos mil euros, demonstrado que o valor simbólico da condenação é esse mesmo: simbólico. Mas com ele jogava-se um outro valor, inestimavelmente mais simbólico. O de dar um claro sinal de intransigência para com processos desta natureza, que raramente conhecem a luz do dia. Esse sinal também está dado e é o da impunidade.
Em Maio vai a julgamento o "Processo dos Correios". Envolve entre outros Luís Vilar, verador do Partido Socialista na Câmara Municipal de Coimbra, estando em causa o alegado recebimento de cinquenta mil euros, cedidos pelo mesmo Domingos Névoa, da mesma Bragaparques. Segundo o Público, o despacho de pronúncia não acolheu as explicações avançadas por ambos, de acordo com as quais se terá tratado de um empréstimo, "no quadro da relação de amizade que tinham". O mesmo despacho acrescenta porém que "não se vê, das informações bancárias, que o arguido Luís Vilar tenha tido necesidade daquele valor, a ponto de ter de se socorrer a empréstimo deste amigo". No quadro do mesmo processo, será julgado o recebimento de uma verba de dez mil euros, por Luís Vilar, das mãos de um empresário da construção civil, na altura a erigir o empreendimento Jardins do Mondego, destinada a financiar a campanha autárquica de 2005. Depois da campanha, o vereador solicitaria ao mesmo empresário mais cem mil euros, invocando dívidas geradas durante a corrida eleitoral.